quinta-feira, agosto 05, 2004

A Sentença

Por vezes dou comigo
numa dessas tertúlia
Com os velhos amigos de paragens passadas,
Quanta saudade e nostalgia,
Da azafama das vozes
Do barulho ensurdecedor,
Dos diferentes timbres,
Claros, evidentes, sábios!

O que mais recordo são os olhos,
De três ou quatro figuras
– sempre as haverá –
Que num silêncio desdenhoso observam,
Perscrutam as razões de uns
os desvarios de outros,
Esses malditos olhares!
Abstractos, cúmplices...
Iria jurar que são sempre os mesmos,
Donos da mão que embala o desconcerto
Da nossa auto-destruição.

A vida, Essa estranha palavra,
Pêndulo caprichoso,
Onde me sinto como réu,
Numa sala de tribunal vazia.
A sentença lavrada
Num extenso rol de papeis.
A culpa nasceu connosco,
Desde o princípio dos tempos.
Uma figura de uniforme negro entra na sala:
“ Sempre aqui estiveste!”
“Tudo se resume a isto!”
À porta espera por mim
O inerte homem de uniforme negro.
Indiferente,
Parece enfrentar a minha saída da sala
Tão naturalmente como a minha entrada!
Atravesso a porta,
olho-o ...
“ não penses que saíste,
as portas são sempre uma entrada!”
As suas palavras pesaram no meu coração.

Regresso ao jardim,
Perscruto o meu redor,
As vozes voltam a soar,
ergo-me...
Inspiro profundamente...
Não saído do meu jardim,
Antes entro na azafama da cozinha
Afinal de contas:
- “ As portas são sempre uma entrada!” -


Évora, 2001