sexta-feira, novembro 25, 2005

Memória


In Memoriam - João Martins Pereira



Olhava para ti,
ao teu corpo quebrado,
aos seres de ti que se silenciam.
E agora? Mal habituado,
trajado a preceito,
abrigado pelo sobretudo da rotina,
que faço aos dias?
Sobram-me as manhãs, tardes e noites.
E todo o tempo do mundo
é um murro no estômago!

Olhava para ti,
ao teu corpo macido de pedra.
Que faço a isto que me rasga o peito?
A esta dor imensa que, ao jeito
de punhal afiado, crava-se-me na alma.
Como se isso fosse possível?
Que faço ao beijo que transporto nos lábios?

Para Ouvir.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Na quarta estante, entre Kafka e Voltaire.


Estava a olhar para ti, meu poeta!
De busto encadernado,
cheio de pompa e circunstância.
Reparava na altivez da tua brochura,
nas letras douradas.
Arrimado aos outros,
génios das letras, artes e ciências.
Imaginei-te as noites que mergulhado
nas cadências da rima métrica,
espartilhaste as palavras
à ditadura das convenções poéticas.
Depois?
Depois contei-te os suspiros,
fiz tombo das palavras riscadas,
das folhas rasgadas
e dos silêncios que sentidamente escutei.

Por tudo isso,
digo-te: Anda!
desce do alto desse livro empoeirado
ao qual emprestas o nome.
Larga os adjectivos, os nomes e as métricas
cheias de pó e traças.
Abandona a tertúlia dos sábios
na quarta estante desta biblioteca.
Desce,
desce e vem escrever,
vem finalmente escrever!
Brincar com o menino traquinas,
que pula e corre,
entre verbos e nomes,
que muda letras e descobre significados,
que no desgoverno da sua brincadeira
poetiza!

É esse menino
que descansa em sono pesado,
rendido aos soníferos das convenções,
silenciado nos riscos,
habitante das páginas rasgadas
que te ofereço.
Vem,
traz contigo a arte,
que o menino despertamo-lo juntos.

Adeus...



Adeus.
O adeus de todas as despdidas
te aceno com saudosa melancolia.
A ti, autor de tantas quadras repetidas
e de tantas rimas, que na folia
da poesia, vieste descansar em mim.

Adeus.
Leva-me este corpo despido
que visto tantas vezes emprestado.
Devolve-me o tempo perdido
e assim, juntado-lhe o achado
consumirei os dias que de mim fui.

Adeus.
Caminhante das linhas que escrevi,
saltimbanco das rimas, velejador da poesia.
Descansa hoje, trotamundo do que senti
nos caminhos das quadras que escrevendo esquecia.

Adeus.
encimando farsante das manhãs tardias.
Guardião teimoso da alvorada.
Na lágrima advinhada que no meu rosto corre,
orvalho das manhãs de saudade,
esperei-te naquele banco,
onde a esperança morre
e tu não aparecias.

sábado, outubro 22, 2005

Anoitecermo-nos


Grita-se: "Noite!".
E a noite das noites cai
no anoitecer do dia.
Pintando tudo de breu.
E enquanto anoitecia,
meu coração que nada sabia,
sabendo-se de noite, escureceu.

E na escura noite fria,
a minha alma se perdeu.
Cega na noite fria que escurecia,
sem o alento do coração que anoiteceu.

Mergulhando tudo no mais puro breu.
Já não se sabia,
se era a noite um escuro dia,
ou um dia que anoiteceu.

Grita: "Açoite!".
E pelo açoitar da minha alma que anoitecia,
já não deve ser noite,
e talvez nem dia!


Para AF

sábado, outubro 15, 2005

Nós


Deitei-me contigo,
amanheci em nós.
Na noite dos nossos tristes rostos
desenhou-se uma alvorada de mimos.

Descemos o rio dos nossos seres,
fomos um nós,
escrevinhando notas de rodapé
no texto das nossas vidas.

Rabiscámos desencontros
unimo-nos em longas cartas
de brancas folhas.

Parafraseando notas de bandas sonoras.
Prometemo-nos tudo na tarde
dos nossos seres.
Deixámo-nos ser,
deixando ser este nós
que entardeceu.

Na noite desta promessa
deitámo-nos silenciosos,
poisámos a caneta
e sorrindo nostalgicamente,
nada dissemos.

quinta-feira, maio 26, 2005

Algarve


Olhei para o fudo dos teus olhos de sal,
contei nas ondas as repetidas juras de Portugal.
Descobri no reino cristão os ancestrais guerreiros,
que se lançam ao mar, filhos dos egrégios marinheiros.

És, em cada Vila tua, uma casa caiada.
Um pátio aberto, uma noite estrelada,
das mouras encantadas, a sua magia.
És mulher morena, terra algarvia.

São os teus sabores, o Sol ou a Serra,
não sei que seja na verdade,
talvez esta gente que dedicada à terra,
deixa tanta saudade.

Argunautas das traineiras,
Homens do campo e do mar,
Das casas caiadas à alfarrobeira,
das noites encantadas ao luar.

Deixou lágrimas na pele morena,
recordando o amor do mouro infiel.
são amêndoas amargas, são pena,
das noites de lenda, das luas de fel.

Uma onda te beija enquanto uma lágrima te despede.
Que amor assim não se mede.
És areia fina, rede de pesca, sal.


És do mundo um sorriso desenhado,
na areia, na rocha, nos rosto.
És este Algarve amado.

quarta-feira, maio 11, 2005

Aos resistentes


Vou-te contar,
por onde andei nestes tempos,
em que calei o que em mim quis gritar.
Segredar-te-ei ao ouvido um sussurro
que irás por na boca do mundo.
Vim nas asas de uma ave,
que batiam ao vento com vigor,
tinha a pressa própria,
dos que em atraso prolongado vão.

Sacudindo as asas,
já sou gente!
Já sou de novo, essa gente que grita!
Que a escrita,
assim falada no papel,
tem outra resistência ao tempo.

Andava esquecido,
mas já não estou,
e por isso convido-te,
caro leitor, a que me oiças
neste silêncio escrito,
neste sussurro em prosa.

Peço-te desculpa,
mil desculpas e outras tantas mais.
Fiz-te esperar,
e contas feitas,
a tantas razões, que as quais,
somadas todas elas,
subtraídas na verdade,
não são razões tais
para este silêncio.

Por isso resisto.
Porque resististe!
Assim te escrevo,
e assim sentes a verdade
que inunda cada sílaba
do meu mais sincero "Obrigado"!

(Dedico-vos a vós "resistentes", que não desistiram de me visitar! Desculpem a demora.)

sexta-feira, março 25, 2005

Pelas ruas desciam em marcha
os exércitos das palavras,
ladeados pelos lideres sindicais,
dos verbos, adjectivos e substantivos.
Gritavam aforismos comuns
aos anónimos,
trocadilhos e binómios
emprestados.
Nas gargantas levavam o som
de uma vontade alugada,
de uma valentia a prazo.
Erguiam bandeiras de cores pardacentas,
quintessências bolorentas.
Na praça dos textos,
junto ao busto dos domadores das letras,
abriram-se as métricas e rimas,
e saíram as enjauladas sílabas à rua,
umas voaram, bateram ao vento os seus acentos,
as suas tónicas, e voaram...
voaram para longe,
multiplicaram-se na viagem
numa infinidade de semelhantes,
ubicaram-se nos corações,
nas ideias,
nos textos,
espraiaram-se nas folhas escritas,
saltaram de lábios em lábios,
em berros ou sussurros,
mimaram ouvidos,
arrouparam corações,
germinaram risos,
limparam lágrimas.
Recolhidas as tendas,
as bandeiras e estandartes,
silenciados os cânticos e aforismos,
a praça despiu-se,
os sons silenciaram-se,
as palavras despediram-se e partiram.
Junto ao busto dos domadores das letras,
conhecidos por escritores,
ficou a sílaba entre as sílabas.
Fé.

(Desculpem a ausência, nem sabem como foi importante sentir que há interesse em ler o que escrevo, obrigado Ricardo, Teresa, Sónia e todos os que me empurraram para voltar a escrever. Obrigado Angela, sobretudo a ti devo um obrigado muito sentido. Desculpem a qualidade, mas são os primeiros passos depois da ausência, ainda por cima foi escrita em cinco minutos, não a voltei a ler ou corrigir, o significado é óbvio: o desejo de que as palavras se soltem de novo e se prestem à minha vontade. Há fé de que isso aconteça. Abraços muito fortes e muito obrigado. Virão outros prometo!!)