sexta-feira, novembro 19, 2004

Estrangeiro

Caro Leitor, perdoa-me o silêncio,
A multiplicação das folhas rasgadas,
O exponencial de censuras
E as lágrimas disfarçadas.
São longas e duras
As noites que espero cansado,
Á luz da vela que ondula,
A chegada do estrangeiro demorado.

Se soubesses, caro leitor
Que se não escrevo, não é por teimosia,
Que a vontade não me cabe no peito.
É pelo talento,
Secretária onde o estrangeiro se senta,
Que por ser da alma natural,
Tem por freguesia o coração.
E assim, é normal,
Sendo o estrangeiro habitante do mundo,
Que se ausente com tamanha frequência.

E depois, Caro Leitor?
Depois fica a angústia,
Ou a astúcia
De querê-la disfarçar.
Que poeta ido
Não se sabe se irá voltar.

Sim, Caro Leitor,
Tal como tu, espero-o,
Num silêncio absoluto,
Num luto,
Em cada lágrima vertida,
De mão estendida,
De corpo espraiado na cama.
Dá-me a mão Leitor,
Que então,
Pelo tempo da demora,
Esperaremos os dois.

Um dia,
Talvez o menos esperado,
Sentar-se-á à secretária do meu coração,
Recolherá folhas brancas na alma,
Cansado,
Roendo a ponta da caneta,
Com a calma
De quem sabe do ofício,
Possuir-me-á a mão
Que ondulará em desmedido vício,
Em fantasias de caracteres e rimas.
Deixar-se-á estar por uns momentos,
Fiscalizará a alma,
Far-se-á inventário do que somos.

De manhã cedo,
Pegará no chapéu e no sobretudo,
E sairá mudo,
Tal qual entrou.
Pegará na bicicleta sem se despedir,
Que no silêncio não há palavras a medir,
Nada ficando por dizer.
Tomará o caminho dos ausentes,
Sem pegadas,
Sem lágrimas,
Mas com quanta saudade!

1 Comments:

Blogger João said...

Sobretudo o poema pretende passar a mensagem de que a inspiração (o poeta que vive em cada um de nós e que se manifestas na maneira de escrever, falar, sorrir, ver as coisas e sentir o mundo) é como um estrnageiro, que não pertence a ninguém e que visita uma vez por outra, sem desfazer as malas, a nossa alma.
Não seria perfeito o mundo se o estrangeiro se tornasse sedentário? Não seriamos nós outros?

10:45 da tarde  

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