segunda-feira, janeiro 10, 2005

O Carteiro

O carteiro morreu!
A velha bicicleta descansa no pátio,
no silêncio das vozes escritas
de uma entrega que nunca aconteceu.
Adensam-se os remetentes
que se insurgem contra a demora da entrega,
é que dantes,
enquanto o diabo um olho esfrega,
já a carta bebia toda a curiosidade do leitor.

Mas hoje não há selo que viagem garanta.
Tudo demora,
ao carteiro chegou-lhe a hora.
A velha bicicleta, outrora trotamundos,
mergulhada nos teres e haveres da desolação,
estrega-se de alma e coração,
às saudades do ritmado pedaleio,
de um carteiro,
que entrega o seu corpo em carta aberta
ao último dos destinatários.

Continuar-se-ão a escrever cartas avulsamente,
com destinatário e remetente,
sem que saiam do saco polurento do silêncio.
Morreu o carteiro!
Todos se entregam ao mutismo!
E eis que o mundo inteiro
hoje monologa,
sem que o oiçam,
sem que se oiça!


3 Comments:

Blogger éme said...

neste poema vi a beleza de algumas mortes.
a inquietude perfeita depois delas.
e as cartas... as cartas ficaram ali.
terá o carteiro morrido e por isso calado o mundo? ou terá o mundo deixado de escrever cartas, matando o carteiro?

quando eu era pequenina via o carteiro de bicicleta e chamava-lhe "cartão".

7:07 da tarde  
Blogger João said...

Few words:

Embora tenhas feito alguma "batota" (falámos do simbolismo do tema no messenger), acho que o teu comment está bem perto do que pretendi transmitir. O "Carteiro de Pablo Neruda", é um dos meus filmes também. Espero que tenhas mesmo gostado do poema, parecias pouco entusiasmada. Jinhos

Pulga:

O teu comment levanta perguntas do tipo daquelas que adoro responder e é isso mesmo que pretendo com este blog, que me perguntem, saber o sentido atribuído pelas pessoas que lêm o escrevi e abrir os horizontes nos quais projectei as minhas palavras. Quem matou? Bem, o importante é assumir responsabilidades! É disso que trata o poema, morto o carteiro, silenciado o mundo, quem toma sobre si a responsabilidade de retomar a tarefa de escrever cartas, fechar envelopes, de ser carteiro, de ser o leitor das cartas. E que escrevemos nas cartas? Que palavras escolhemos para romper o silêncio de tanto tempo?
Obrigado Pulga por participares.

6:54 da tarde  
Blogger éme said...

escrevo cartas. as minhas palavras não moram no silêncio. e o carteiro é o espaço que elas percorrem (bi, tri, tetradimensinal). as minhas palavras são rabiscos, desenhos, sons, gestos.
se quiseres ver algumas das minhas palavras, ascronicasdapulga.blogspot.com, e ajudas o carteiro.

2:47 da tarde  

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