I.
Estava a pensar,
Naquela história que nos contaram
E juraram,
Sobre honra e honestidade,
Que era verdade,
O relato destas coisas passadas.
As maçadas,
Tristezas e sofrimento
Que ao lombo de um jumento
Passou um casal no deserto,
Ela grávida,
De um menino de pai desconhecido.
Tivesse sabido
José que a troça que dele se fez
É agora veneração.
Talvez fosse capaz
De olhar para Maria com redobrada paixão.
Imagine, caro leitor
Que um bem-feitor
Houve, lá para os lados da Galileia.
Anunciado por Gabriel,
Ardina dos Céus,
Hermes da Cristandade.
Entregou a Maria da semente a metade,
Que divina fosse ou teve de ser,
Que para tal testemunhas não havia.
Agora pense, caro leitor,
Se José não teria,
Por obra de um desejo incontrolado,
Obrado
Em sua mulher, que por direito a tem,
Em grande medida e dedicação,
Feito mais pela consumação,
Do que o relato da História lhe atribuiu.
Assim...
Já o homem que o jumento acompanha
Repleto de contentamento,
Olha para Maria sem ressentimento
Ou dúvida de maior.
Mas prossigamos, caro leitor
Nestas andanças de outrora,
Que é chegada a hora
Da Estrela e dos Magos Reis
Vós sabeis
Que nestas coisas de nascença
Anda a mulher suja
E é crença
Dos Judeus do tempo, que deve purificar.
Nasce do sofrimento da mãe
E nele vai acabar
A vida do pequenino
Do filho do homem,
Feito Deus-menino,
Nas carpintarias da mentira.
Sabe-o bem Maria
Numa grito pô-lo no mundo
E numa lágrima o há-de tirar.
Poupo-o, Caro leitor
Aos detalhes enojosos do parto,
Que tal relato
Não vem ao caso contar.
Maria deu à Luz com dor,
Como todas as Evas deste mundo,
E com amor,
Mais sincero na pobreza,
Abraçou o menino.
Que para tristeza
De uns e salvação de outros,
Tornar-se-á Rei coroado
De espinhos e rechaços,
Deus cravado
Numa cruz de madeira.
Que mentira!
Ou melhor... que estranha maneira
De amar!
Vou-lhe recordar,
Que mesmo agora o relato se iniciou,
E já de sangue e lágrimas
Se pintou
Este quadro tétrico.
III.
E uma tal de Maria de Magdala
Que o Diabo foi buscá-la
Ao ninfado das tentações.
Quis o destino
Ou a história das relatações,
Que Jesus a visse
E curasse.
Do quê não se sabe,
Que o receituário Deus o guardou.
Ficou,
No entanto, registo
Que nisto
Sabe tomar nota o destino,
Que a prostituta não mais pecou.
Mas caro leitor,
Desse amor de que nos fala
A Palavra de entre as palavras a primeira,
Que sentimento tão dedicado
Não houve registo na História.
E se o amor,
Do qual não há memória,
Com tal submissão e pudor,
Fosse antes,
Obra do homem de carne e osso,
Que nestas coisas sempre vacila.
Sendo a de Magdala conhecida sibila
Nas artes de amar.
Deixou-se apaixonar
Jesus homem,
Que o Deus de si
São contas de outro rosário.
E para espanto dos futuros,
Dos doutos cabeçudos do rosário,
Parece escândalo de maior.
Mas para estes indigentes judeus,
Na época de outrora,
Fosse Jesus solteiro por aquela altura,
Em demorada hora,
Já por si passariam comentários
De dedicada malvadez.
Deixou-se amar,
Que para isso veio do ventre de Maria.
Que mais vale amar uns poucos intensamente
Que por metade amar a maioria.
Escandalizaram-se os de hábito
Pelo hábito de se escandalizar
Nestas coisas do humano.
Que pecado!
Amou Jesus a de Magdala
Num amor profano,
Sem que tristeza venha ao mundo,
É que no fundo,
O amor é todo o mesmo,
De manifestações diferentes.
Cansam-se as gentes,
As retóricas e os textos
Os ambidestros
Dos sentidos,
Os polidores da verdade.
Que maldade a tua Jesus1
Que infidelidade!
Amar alguém com dedicação!
Assim...
Esta versão,
Este relato possível,
Do que possivelmente se passou,
Do diz que disse ao que me contou,
Que Jesus era virgem,
Como sua mãe Maria.
Mal sabia,
O Cristo da História,
O cordeiro de Deus,
Filho do carpinteiro de Belém,
Que no adeus,
Sofrido e ensanguentado,
Chorava o pobre coitado
Pela chaga que o coração leva.
Deixou quem ama,
Que chora por ele em silêncio,
Rasgada de dor contida,
Que essa história não é sabida
Mais do que dela se quis contar.