sexta-feira, agosto 13, 2004

Um Suspiro

Houve um dia,
e era noite esse dia escuro.
Houve uma chegada que partia
nesse dia,
e era duro...
a penosa tarefa de viver.


Eventualidades

Se esta caneta não dissesse,
aquilo que o coração obriga?
Se esta caneta não tivesse,
mais cardos do que ortiga?

Se ao mentir tornasses verdade
aquilo que digo.
Quantas vezes pecava, na metade
do que te juro e a que me obrigo!

Se tantas vezes "se"
e se não existisse?
Marcavamos o tempo com outras juras,
mais regulares, menos puras!

Um Adeus Sentido

Chegada a noite,
inunda-se o horto,
de gritos e açoite.
Uma raiva e um sonho morto,
na lápide da esperança.

Fui ao funeral dessa felicidade,
escrito num adeus de lágrimas,
as horas passam, a saudade
edifica rimas,
pedra sobre pedra
os versos erguem-se.


Promessa

Jura, uma e outra vez
como se não tivesses ouvido.
Repete uma, duas, três
vezes, como se surdo tivesses sido.

Aguarda a noite e os seus conselhos,
arde em paixão e desejo,
morre no corpo ardente que ansejo,
o toque dos lábios alheios.

Sonha comigo quando puderes,
se não puder ser, sonha novamente.
Não chores quando perderes,
levo bússula e um astrolábio latente.

Quando a noite chegar a ti,
e te der a suas oferendas.
Por favor, não te ofendas...

Aguarda pela madrugada,
que pela calada
a noite despedaçar-se-á em agonizante Adeus!

O Vento que Cala

Corre a voz,
e o vento sente?
Que a voz que mente
é o vento atroz.

Soava ao vento,
pelo qual a voz corria,
corria a voz que o sofrimento,
sofre-o quem o sofria.

Já nada soa,
num ausente matiz.
E a voz que corre à toa
já nada diz.

Mas era tão bom,
quando o vento sussurrava
as palavras que a caneta segredava!

Adeus Vento!
Guardar-te-ei até ao retorno,
num esquecido abandono.

1999

O Tacto

Pingam, em sofrimento,pequenas gotas.
Nascem no passo do tempo,no ondular do mar,
no bater das ondas, e às horas tantas
já não sabem que rumo tomar.

São tuas as mãos que me tocam,
de carne e osso essas mãos,
mas também de poético desejo, de sãos
pecados e rapsódias líricas.
Dissipam a unidade da noite,
a nigromancia dos irmãos,
são essas mãos,
cardos,
cravos vermelhos ensaguntados,
letras soltas,
aliteracias,
pecados apalavrados,
segredos em sussurro.
São amontoados verbos,
murro,
no estômago!
São jejuar perpectuo!
São cilicioso hermetismo!

Degredo

A noite passa,
a manhã nasce,
mas algo em mim permanece.
Já foi permatura,
outraora costume.
Agora? Agora é cárcere.
Mas que será?
Os corpos de pedra que erguem,
gélidos nomes cravados,
lápides de um querer.
Uma aqui,
outra acolá,
outra ainda mais além,
germinam depressa demais.

Nascem ou morrem,
vai-se lá saber!
Os túmulos da noite,
os pequenos acontecimentos.
Deixam-nos saudades?
A noite é tão parca de palavras,
de sentimentos, de nós...
que nada nos deixa senão escuridão.



sexta-feira, agosto 06, 2004

Dessemelhanças

Sou como tu!
Da mesma carne enfermiça,
a mesma perene condição,
Nu,
não encontrarias, em justiça,
grande distinção
entre nós.

Sou como tu!
Permite-me que o seja,
que me dispa desta diferença,
que anseja,
à semelhança
de todos os outros,
dissolver-se no plural anónimo
de uma multidão sem rosto.
A contragosto,
sinónimo
de fracassado engodo,
de sublinhado
desvirtuosismo.

Sou como tu!
Olha-me pois nos olhos,
escolhos,
vitrais lacrimejantes.
Caro leitor,
percruta-me na extensão
de cada palavra,
na tenacidade da mão
que escreve sem se deter.
Tactea-me em cada verso,
que abandono para que possas ler.
Procura-me nos nenhures de mim,
na vastidão
do só.

Sou como tu!
Quem me dera que o fosse!






quinta-feira, agosto 05, 2004

Ocaso

Porque me faltam as palavras escrevi
Porque me faltavas tu chorei,
Nas folhas brancas.
Desenhei
O sentir, essas coisas que o dizer
Profana.
Peregrino despido – velho samana –
Procuraste no rio a unidade do teu ser,
Eu procurei em ti.

Doce é a caricia
Que vento sopra ao meu ouvido.
O teu nome!
E eu rendido,
Afogo o desejo
No ondular dos teus cabelos,
Nesta seara estendida.
No mar salgado do teu sorriso,
Nos olhos salpicados
De lágrimas de alegria.
Vivas tu...
E eu para sempre!!


Évora 2001-14 Poemas Meus (Prenda de Dia dos Namorados)

Nós



Procuras a alma perdida
Aquilo que certamente

não encontraste no destino,
E vencida,
Esqueceste do que te ensino.
Que cada coisa tem a importância que tem,
A conquista que reside

em cada porção de solo que pisas
E que ainda que a sorte insista,
Em te abandonar,
Sempre lá estarei.
Para apanhar os estilhaços,
As negativas e rechaços
Da vida que nos magoa,
Mas bastamo-nos um ao outro,
Na multidão dos nossos sentimentos,
Na turva água
Dos nossos desentendimentos,
Na leveza de sermos apenas um,
Um no outro,
E os dois num
Só.


Évora 2001 - 14 Poemas Meus (Prenda de Dia dos Namorados)

Poema a...


Nasceste da água,
clara, evidente.
Teus olhos escuros são noite estrelada,
A tua boca sabe a mel,
carnosa, ardente.
Corpo suave,
definido, canelado,
estrada
Em cujas curvas me perco.
Em cujos músculos acho
O sentido do mundo.
Quantas vezes crucificado,
Na precariedade das palavras.

Também tu és simples
e é nessa simplicidade tua
Que acho a beleza platónica,
pernas gregas quais colunas!
És alvorada,
branca como a lua.
Mar revolto, terra agreste,
penhasco salgado
Pelo bater das ondas.

Cheiro de Oriente,
Ópio para o meu espírito perdido,
És fumo branco do meu cigarro
Último suspiro do corpo mendigo e dormente
Vagabundo nas ruas de incenso do teu cabelo.
És vício para o meu corpo,
Tal qual eu quis que fosse
E quão doce
É o teu corpo abandonado ao destino
Dos meus caprichos,
À profanação das minhas mãos.

Por estas e outras coisas
escuta o vento,
As lágrimas escrevem a palavra saudade
Nas minhas faces,
que em desespero limpo,
Quão doce mentira apagá-las,
que crueldade!



Évora 2001- 14 Poemas Meus (Prenda dos Dia dos Namorados)

Era uma vez...


... e nessa vez uma velha havia,
que quase era capaz de jurar
que de verdade sentia
as lágrimas que pudera chorar.

No ombro direito
Num constante sussurrar,
Um corvo que como defeito
Tinha o hábito de governar.

De ouvido esperto
As aves de rapina,
Escreviam relatórios dessa gente pequenina
Desse povo que queria mandar.

A Velha que ali sentada
Rezava ao terço junto da Cerejeira,
Três vezes a morte fora convidada,
Três vezes fora à sua cabeceira.

E nesse mesmo tempo houve,
Um povo que não fala nem ouve,
Um neto mestiço que chora,
Que é chegada a hora
De erguer a voz.

Filhos da Madrugada Fria,
Capitães do cravo empunhado.
Guitarras, poetas e artistas
Desse querer violentado!

Grândola do poeta e da guitarra
Da ensanguentada costa africana
Do rechaço e da amarra
Canta Morena Vila Alentejana!


(Poema elaborado para a exposição do 25 de Abril de 2004 -UTL)

Sussurro

Tu que falas
na verborreia estendida da vaidade,
na embriaguez do eu.
A cumplicidade
do eco com que te deleitas,
e às contas feitas,
uma carta que sem destinatário,
se entrega ao vento,
que sopra num silenciado retorno
uma resposta que não se ouve.
E já houve
tempos em que o mensageiro
de carta em riste,
um destino lhe dava.
Agora? Agora... Triste,
entrega-a ao silêncio.
Um silêncio branco estendido
nas palavras que se derrama
o calendóscopio do mundo,
que no seu profundo
silêncio obrigado,
gritam que se lhes oiça
o grito lançado
no desespero da sua solidão.
Silêncio!
Chiu...Silêncio!
Nada se ouve!
Houve tempos em que se ouvia
as palavras estendidas numa geografia
de adjectivos, verbos e substantivos.
Era poesia, caro leitor!
Era poesia!
Silêncio!
Nada se ouve!
Já houve tempos...
Bem...
Já os houve...

Que de mim um eu houvesse

Em mim tão atento estou,
consumindo eu, o que de mim
sou.
Que ao cabo de mim, e enfim...
ao fim ao cabo, ficou
claro que nada escuto
a voz que de mim se cala,
o eu que não fala
e não prescuto.

Atento em mim
o eu que permanece
o sou que fui,
no nada que em mim acontece.

Sou eu que de mim escreve,
em escrita que de mim falada
ouves, o eu que se atreve
a escrever à desfolhada
o que de mim ouve.

Se grande confusão houvesse,
pois de ser três vezes estou,
de mim um pouco se abastecesse
este eu que sou!

In Verbo Veritas


Não me calo!

Ainda que o medo
ameace silêncio tolhido.
Ainda que um dedo
toque nos lábios
de uma boca selada.
A língua laminada,
torno de uma verdade
esquecida,
falará em bifurcada
justiça.
Escolherás,
e nessa escolha tua,
uma dolente constatação,
que mais pesados são
os cinzentismos destas aguarelas,
que a mão,
enlouquecida,
desobedece em rapsódias
nigromancias e tetrícismos.

Não me calo!
Ainda que a boca se silencie,
que a escrita não soe,
e os olhos não leiam.
Sempre haverá a robustez
de uma palavra pensada,
residente
na camarata da memória,
no silêncio do que não dissemos.
Ai... mas quanto o sentimos!
Sentimo-lo tanto!
Caro leitor...Como posso calar?!
Não me calo!


Fado

Uma guitarra lacrimeja
um poesia
que a garganta sustêm
em agudas notas de dor.
A composição embriaga-se,
no tactear de cada corda,
É este o verso que ofereço
à memória.
A música que em sentimento
germina,
acordes e desacordos,
entre pactos e traição.
Maiores, menores e aumentadas penas.
Tons desta espera.
Uma gota sustenida,
escorre entre os dedos,
cai no pesado silêncio,
com a autoridade do verso,
que embarcou na Nau do som.
Uma nota,
depois outra
e outra ainda,
chora a guitarra,
em comoção.
Sangra o coração
em perfilada dor,
em pautada destemperança.
Uma voz rasga o silêncio.
Os olhos que cantam,
e os que ouvem também,
cerram-se...
Sedentos do paladar das notas
do perfume dos acordes.
Fecham-se os horizontes,
reduzidem-se a esta sala,
que respira saudade.
Já só aqui estamos,
em nenhures de nós,
na plenitude do que somos,
num abraço ao que fomos.
Uma lágrima soltou-se,
vaguei-a pelos rostos desta sala,
sem bússula nem astrolábio,
morrerá extasiada
na praia do nosso aplauso.
Erguem-se as mãos,
não tarda um clamor inundará a sala:
"Tchiu!"
Cantou-se o Fado!


Guerreiro

Que talvez de mim haja
um meio-dia,
onde a luz demore
e aconchegue o calor de mim.

Suponhamos que é ambrósia
e não areia o que mastigo,
em cílicio gutural,
é antes manjar faustoso.

A mão guerreira,
a ancestral arte da guerra,
espada em riste!
o manejar da escrita,
a esgrima da palavra,
o elmo da rima,
a armadura vérsica!

O que fica...

Perdoa-me leitor esperançado,
que percorres estes versos de destemperança,
na esperança,
quiçá arrojada
de encontrar o ansiado.
Forjado em optimismo obrigado,
acorrentado às diligências do querer,
na fé de tudo possuir e nada perder.
Esquece-me então
tu que procuras sem olhar,
a tristeza na mão
que escreve.
A caneta a chorar.
Desculpa-me em mim a culpa
que não esconde nem remite.
Permite...
O desacerto da hora.
É que aqui fora
já só se esquece!

Procissão do Insólito

Contava um sábio,
que um dia
um mendigo cantava na vila que havia
nas terras de além.
E que mal tem?
Se o sábio que nada soube
da morte do surdo que tudo ouve,
contada pelo mudo ao cego que tudo vê!

Havia um ardina nesta vila do Insólito,
que calava a notícia
com despeito e malícia!
E nessa mesma terra um acólito,
rezava ao desconcerto da Imagem.
No desvaneio do Silêncio.
E que mal tem?
se Inocêncio,f
ilho de Paulo e Pedro sacrificados,
fosse matando a fé aos bocados,
na esperança de ouvir a resposta
que nunca chegará!

Contara-me um sábio, que lá havia
que na terra de Deus, morria
a fé dos Homens pelo silenciar
da resposta. Ao demorara obra no esquecimento.
Ali se ficava!
E assim...um sábio dizia que um surdo ouvira
falar de Deus a um mudo...
E que se mentira fosse,
este relato do Insólito,
que se perguntasse a Inocêncio,
que era lá acólito!



Vivo sem que em mim o faça!

Vivo, sem que em mim viva
nada daquilo que sinto.
Não sou,
na verdade daquilo que penso.
Omito-me,
na ausência de ideias,
que vive aquilo que sou.
Em omissão,
à vida que de mim parte,
no fito de que nada seja!
Vivo na omissão que sinto,
da verdade que não sou,
numa ausência plena.
Vivo...
na esperança de que não o faça.
Numa omissão à vida
que não vivo em mim,
por esperar a morte,
num ensaio perpectuo!

Rechaços

Foste-te assim num suspiro,
na manifestação carnal
de uma saudade
tão sentida.
Escrevo-te agora
em versíca mentira,
em fingida arte
de estar vivo
numa morte tão evidente.
A morte bateu-me à porta,
com a autoridade
da visita esperada
e tantas vezes adiada,
por teimosia do destino.
A palavra silenciou-se!
No orfanato das ideias,
entregue à roda dos meninos,
surge o mutismo!
Filho do anoitecer das palavras.
Ubicou-se o silêncio,
a palavra morre,
da morte mais terrível!
A escrita abandona-se
ao esquecimento.
Esqueci-me que algumas vez tenha escrito.
Não recordo ter sido...
nem tido,
nas mãos a caneta,
o cotovelo sobre a secretária,
a mão sobre a testa.
Esqueci...
A ideia que demora,
a rima que não chega,
o comboio da consciência
no apeadeiro do poeta.
Morreu, morri-te...

O Grito

Um grito se perdera.
Para onde foi?
Corre junto ao rio,
no prado verde da memória.
Um grito solto.
Libertado pela raiva,
que lhe rompeu a trela.
Um grito maíusculado a berro
que nas águas mergulhou,
afogado em saudade
na margem se ficou.
Já não é grito,
nem berro.
É gemido inconsolável!
um sussurro hibrído,
um suspiro escrito...
que se escuta e se esquece.
Descansa o gemido,
à beira do rio que quase o silenciou,
Moribundo descansa
ao som da corrente que quase o levou!
Desperta mudo,
que nem se lembra que já suou,
é lembrança contida,
é memória muda,
escrita solta, poesia!
É este poema que escrevo,
que um grito foi.
É escrita solta na margem de um rio,
Junto à corrente que quase o matou!

Folha

Estava a olhar
esta folha branca.
Quase escrita,
quase tocada.
Preocupava-me as palavras,
a escolha,
o direito,
a violência
de interromper a sua virginal brancura.
Estava a pensar
na autoridade das sílabas,
nas métricas e rimas,
e nas outras tantas coisas
que não sei.
Ergui a caneta,
escrevi,
o primeiro verso sobreviveu
ao risco,
a censura deste que te fala
em sonora escrita,
em poluente poesia.
Sujo a folha que fora branca,
com palavras ocas,
cheias deste oco que sou,
cheias de mim.
Estou a olharuma folha escrita.
Que pena!

Lágrimas

Choro,
sem que uma lágrima verta.
Sofro desse mal de ser eu.
Sou um eco na falésia,
que rasga o peito das ondas,
que inunda a vastidão
do nada que é a noite.
Sou silêncio nesse mesmo eco,
uma ausência que é,
um quase nada,
um muito pouco.

Choro,
e a lágrima teimosa resiste.
A íris humedecesse,
turvam-se as ideias,
rosáceas faces,
trémulo queixo.

Choro,
na verdade da lágrima,
no seu silencioso caminho.
Conhece-lhe o destino,
a peregrinação à alma.
Apanhada no regresso cansado,
já extenuada,
onde se deixa postrar,
na face rosácea,
no seu escolhido leito.

Choro,
que é uma lágrima
cada palavra que escrevo.
Secá-la? Nunca!
Isso seria rasgar este poema,
E privar-te da grotesca intriga
que o meu sofrimento em ti produz.
Ó caro leitor!
choro porque me queres ler,
choro em cada lágrima escrita,
e pedes para ti próprio,
no silêncio da tua leitura,
que continue...
bebes sofregamente de cada lágrima,
Por isso choro....

Auto-de-fé

Deus Morreu!
Um ardina,
feito apóstolo
bate-me à porta do coração,
Bateu,
e numa oração,
forçada pela tragédia na novidade
,"Derramaram o vinho e desprezaram o pão!
"vociferou esta calamidade.
Ao Deus morto,
um horto
de lágrimas e desconcerto
se rendeu.
Na hora do luto,
a noite caiu,
eterna e tactável,
as cores misturam-se numa ausência
negra, o furto
da esperança,
a gólgota da persistência,
a espera...
a eternidadedo suplício,
o cilício
da condenação,
da culpa e do pecado
do inquisidor e do sentenciado,
para a perpectuidade,
para os calaboiços do incorrigível,
a prometida ubiquidade da desgraça!

Ecos

Dilacerada mão na madrugada,
no bater da meia-noite.
No açoite,
no despojo do nada...
na folha rasgada,
na música que não soou.
Na frase feita, que não chorou,
a chaga aberta no coração,
horto de sofrimento e desconcerto.
Com acerto,
anuncia a voz a queda em picado,
do albatrozdos mundos e tempos de outrora.

Uma folha vazia,
no papel que cala e consente,
uma mãe chora despida,
a dor que ainda não sente.
A sagacidade de um silêncio obrigado,
que se esqueceu de calar,
que não recorda ter silenciado
a verdade de que quisera falar.

O consentimento da escrita,
a amena cavaqueira do sussurro.
As lágrimas derramam-se,
o coração grita
pungido pela violência do murro.
Germinam os dizeres,
preparam-se as gargantas,
que às páginas tantas......
confudem-se os mesteirais,
os ricos e os pobres,
ou doutos cabeçudos e outros animais!!

Filhos de Vilar Formoso

Uma mala de cartão,
Que levaste pesada de desilusões,
Na mão
A nota, nos olhos as lágrimas dos anões...

... que partem desta terra de homens grandes
dos doutos corvos de capa e batina,
de ceptro na mão, amantes
da autoridade, aves de rapina.

Ergueste a voz
Silenciaram-na em tons de azul,
E a nós,
Os filhos dos filhos,
Netos dos tais,
Sobram-nos as palavras escritas,
Os rios de tinta censurada,
Mendigos das páginas rasgadas do poeta,
Dos acordes perdidos do músico...

...Mas e o amor?!
Esse amor que te vez descer à rua?!
E a madrugada que saudou,
As fardas verdes?
E essa esperança nua,
Pudica e tímida?
Quem a recordou?
Quem a esqueceu?
Atreve-te pois a ubicá-la
Na geografia das tuas recordações.

Dir-te-ei o que quiser,
Ouvir-me-ás
O Ás caiu,
A cátedra vazia, ninguém a recorda,
Uma corda –Não!- um fio,
Que sustentava a frágil marioneta...
Caiu o às e ficou o pateta...


E agora?
Que já não há poetas?
Nem músicos?
Descansa...
Respira...Os filhos dos filhos,
Os netos dos tais...
...os poucos de então
são agora mais!!!


(Poema sobre o 25 de Abril)

Evangelho

Acaso meu bom cego não vês?
Que vergado ao peso da fatalidade,
ergue-se hoje este homem cortês
filho da imoralidade.

Acaso tens essa enfermidade?
A concupiscente condição humana?
tresandando a vaidade,
à víscerada disciplina mundana.

Bolurenta culpa destinada,
história do que foste sem saber.
Levas a mão assassina ensanguentada,
leva-a ignominiosamente sem se arrepender.

Pregou a todos os surdos sem excepção,
a esse povo de Eleição,
Da má escolha Divina.

Serão seladas a sangue e lágrima,
a gemidos e sofrimento,
as páginas futuras deste renovado Testamento.

Paixão

Equilibrar-se-á a morte,
na semental solidão,
regozijar-se-á a angústia do garrote
na macilenta flagelação.

E a lua que fugia,
pela noite dentro na escuridão.
Corre porque sofria
de destemperança no coração.

A morte atarefada visitará,
na vinagrada noite silenciada,
quem a ferro e fogo se vingará,
da cigana paixão atraiçoada.

Gotejando lágrimas surgirá a guitarra,
rasgará o silêncio da noite,
com um sofrimento que à voz amarra.

Em unísono soará a voz da desgraça,
Que morrerá à Lua
o filho de José e de Graça.

Tela

É velho este mester
como velha é a mão que o comanda.
Antiga a arte que demanda,
tudo o que para si houver.

Esta tela que se estende,
sementizado pincelar fecundo.
Este talento que não entende,
que a arte é de outro distinto mundo.

Esta mentira e fingimento,
esta angustiada verdade,
este matizado lamento,
cravado na corrosiva tonalidade.

Na tela em que me masturbo,
em eunuco talento frebil,
num sepulcral cinzentismo senil.

Emoldurada mentira,
embriagada criação.
Cálice jucoso da falta de inspiração!

A Mentira

É por ser diferente,
este que escreve,
que vende o verbo e por ele mente,
que a mentir se atreve...

... a dizer as verdades,
deste mundo de mentira,
de escárnio e vaidades,
que dá metade do que tira.

É por ser pior,
com estupida dedicação,
que leva em proporção maior
a maior parte de solidão.

Este que te fala,
de mentiras sinceras,
e das meias-verdades se cala!

E digo com sinderidade s
e isto não é mentira,
então deve ser verdade!

Postumo


Duas datas!
Duas datas me deixaste
para que te possa chorar
na pedra fria.
Na tua filantropia,
comum aos egóistas,
quiseste partir primeiro,
para não me chorares.
E assim...
assim me fiquei,
sem lágrimas que verter
sem bússula,
nem remédio
para este anoitecer
da vida!
E agora?
Que me esperase te anseio
que me chorase te recordo?
Em má horate fostes e fiquei.
Que pecado!
Que crueldade!
E a espera?
Como engano o tempo?
esse especialista da matemática,
génio das fracções,
fanático da pontualidade?
Somado tudo,
um instante fica
que uma eternidade demora.
Ai... Ai Meu Deus,
e agora?

Moinho de Vento

No cimo da Aldeia
um moinho havia,
três lobos em alcateia,
uivavam ao vento que assim se ouvia.

Era vento de saudade,
de sangue e gemido,
de dedicada castidade
e silêncio contido.

No zenite,
na rua escura empedrada
uma dor que não remite,
em pedra fria de calçada.

Um, dois, três...
são desta vez
o número de vozes que soarão!

Três lobos, dois corvos, um vento
que rasga o silêncio da madrugada,
esperada hora, hora chegada!

Rio da Má Hora

Imagina um rio,
e uma ponte mais além,
e a saudade que sentiu
quem familia naquele barco tem.

Mergulhada a esperança,
que a saudade já cá mora.
tão cedo vem à lembrança
a partida em má hora.

Soubera o destino,
que a travessura do rio
levaria o menino ao sono
que ainda nem dormiu

Choram os olhos,
a voz amaldiçoa
o rio tudo leva e nada perdoa.

Rio da má hora!
este é o dizer que soa,
contra o rio que tudo leva e nada perdoa.

Mãos


olho-te,

e ao percorre-te,
insisto...
em ver as cores pálidas,
do abandono,

Tremes-me,
não consigo deter-te... t
ento...desisto.

O sossego!
O mesmo silêncio
que me faz adormecer
no porto perdido da saudade.

As pálpebras pesam-me,
Cada vez mais...
vou cerrando-as...
Abandonando-as
Ao capricho das correntes.
Deixo de ouvir!
Novamente o silêncio,
Sinto toda a sua corpulência
No meu peito.
Na paciência
- Quase revoltada-
do meu esperar.

Fecho os olhos...
já só escuto!
E não te minto
Quando digo:
“Não oiço...só sinto...
Não sinto”
...tic tac...
Consumiu-se o tempo!!


Évora 2001

A Sentença

Por vezes dou comigo
numa dessas tertúlia
Com os velhos amigos de paragens passadas,
Quanta saudade e nostalgia,
Da azafama das vozes
Do barulho ensurdecedor,
Dos diferentes timbres,
Claros, evidentes, sábios!

O que mais recordo são os olhos,
De três ou quatro figuras
– sempre as haverá –
Que num silêncio desdenhoso observam,
Perscrutam as razões de uns
os desvarios de outros,
Esses malditos olhares!
Abstractos, cúmplices...
Iria jurar que são sempre os mesmos,
Donos da mão que embala o desconcerto
Da nossa auto-destruição.

A vida, Essa estranha palavra,
Pêndulo caprichoso,
Onde me sinto como réu,
Numa sala de tribunal vazia.
A sentença lavrada
Num extenso rol de papeis.
A culpa nasceu connosco,
Desde o princípio dos tempos.
Uma figura de uniforme negro entra na sala:
“ Sempre aqui estiveste!”
“Tudo se resume a isto!”
À porta espera por mim
O inerte homem de uniforme negro.
Indiferente,
Parece enfrentar a minha saída da sala
Tão naturalmente como a minha entrada!
Atravesso a porta,
olho-o ...
“ não penses que saíste,
as portas são sempre uma entrada!”
As suas palavras pesaram no meu coração.

Regresso ao jardim,
Perscruto o meu redor,
As vozes voltam a soar,
ergo-me...
Inspiro profundamente...
Não saído do meu jardim,
Antes entro na azafama da cozinha
Afinal de contas:
- “ As portas são sempre uma entrada!” -


Évora, 2001

Assim somos

Assim somos…
Enfermos que estamos
desta humanidade,
Deste querer e não poder.
Destes parêntesis,
Que nos remetem ao cárcere
Da imperfeição!

Assim somos…
Que se lhe vai fazer?
Se entre o ser e o não ser
Vem Shakespeare e dá mais uma alfinetada
A esta alma já cansada.

Assim somos…
Que doutra maneira não seríamos
Os mesmos tolos que aqui se apresentam
Pecaríamos,
Quiçá com demasiada ousadia,
Contra esta carne e pele
que a alma sustenta.

Assim somos…
Que de sermos assim
Conhecem-nos o nome sobejamente,
Que mais tarda apanhar o coxo
Que aquele que mente

!Assim somos…
Com o erro como destino
Peregrinos do sonho.
Com a ignorância como ditadura
Onde governam os fantoches do medonho!

Assim somos…
E não me canso de o dizer!
Herculizados os medos,
Musculadas as palavras deste crer
Que nada mais é que vontade silenciada

Assim somos…
Portadores do sorriso
Da espada do “deixa estar”
Filhos de Narciso!

O Regresso

Escrevo à noite,
Porque é à noite que as coisas acordam
Da inércia do dia.
Na cegueira do açoite,
Roteiro do peregrino solitário
,Que é a procura.
Armário
Hermeticamente fechado,
Onde a verdade demora,
Esconde-se e vacila
De hora a hora,
Em rechaços e amargura.
Foi na noite
Que amei as imperfeições
De esse teu ser,
No seu silêncio,
Onde o teu respirar
Me confessou desejo
Onde o teu olhar
Prometeu o Mundo
E agora?
Agora que não estás?
Os sinos choram a tua ausência,
A tarde despede
as ruínas desta vila,
Que desfila
Em procissões de choro e tristeza,
A falta do teu perfume.
E na destreza
Assaz valente
Da nossa convicção
De que um dia voltarás,
E então
Será tudo diferente.

Saudade

A minha alma é o caminho de peregrinação
Para o santuário do teu corpo.
Sobre a tua pele,
qual areia sedenta,
Como um deserto de penitência,
Derramo as lágrimas
Que não choro,
Aquelas que mais sinto,
Mas que em segredo as manifesto,
No inexpugnável panteão
Do silêncio.

Depois… depois
deixo-me estar
Como que extasiado
Ouvindo o sussurrar
De um vento que tudo presenciou.
Ele guarda as minhas lágrimas,
“lágrimas leva-as o vento”
dizem os sábios do povo
e bem verdade o é!
Leva-as, mas cedo as traz de volta,
como se no caminho percebesse
que esse peso não é o seu.

O teu corpo é a imensidão
deste mundo que conheço,
Habitas em cada coisa que toco,
Cada palavra que oiço.
Vives no pulular cansado do meu coração
É esta a tua ubiquidade,
É este o teu pecado,
É este o meu mal.

Todos os Tolos

Idólatras!
Súbditos dos escolhos literários dos sábios,
Filhos das páginas rasgadas da intelectualidade,
dos verdadeiros e cultos homens.
E aqueles?!
Os outros!
sentados nas cadeiras
omissos à verdade,
Escondidos timidamente na capa e batina
embriagada de ignorância,
Não procuram
– por isso não encontram! –
o sentido do Verbo,
Os seus ritmos.

Também eles afogados na sua arrogância,
Distraem-se,
perdem o caminho e encontram o desconcerto
Nada há de mais ridículo que os seus discursos,
As analogias aos antigos,
decorados com ourivesaria intelectual.

Com quanta delicadeza desliza a tinta da caneta
Quilómetros e quilómetros de azul sobre o papel,
-Quão doce mel! –
Palavras,
verbos em electrizante vaidade desmedida.

E às páginas tantas
Entre palavras,
analogias,
silogismos,
Faltam as rimas,
sofrem as ideias
que numa promíscua latência
esperam libertar-se
da gólgota do silêncio.

Assim, para que em registo fique,
que este despiquede fatalidade hercularizado
nada mais é que a escrita de um fracassado.

O Mester da Escrita

Gostava de saber o significado das coisas,
De chamá-las cada uma pelo seu respectivo nome.
Tratá-las por tu,
Despidas do seu véu,
de peito aberto e nu,
Confrontá-las com a sua incongruência,
Com os seus desconcertantes e múltiplos sentidos.

Que nos dirão as palavras?
Quanta ciência!
Quão apurados olhos e ouvidos,
Que te escutam e ouvem nos teus mais barrocos
E variados significados.
Tantos sábios e homens sacrificados
Pela tua inconstância!
Pela vaidade das tuas analogias,
Das tuas premissas e princípios primeiros
Com tão boas verdades mentias
E com tanta autoridade prendias
Os saudosos.

E com quanta saudade
nos deixas dos mestres,
dos ouvires do verbo,
dos operários da sílaba,
dos mensageiros do nada,
do quase todo que é a poesia!
Os dignos do mester da escrita.
Aí se soubesses!


Gerúndio

Se tu soubesses que uma morte havia,
que matando-me, eu morria.
Se eu soubesse que tu sabias,
que desta mrte tu não morrias.
Num gerúndio de morte,
que vai matando... matando...

Nesta solidão que esquecida calo,
no esquecimento do silêncio só.
É de uma solidão silenciada que te falo,
neste estar esquecido e dar dó.
Num gerúndio de morte,
que vai matando... matando...

Num corpo inerte que pende,
na inércia dos corpos pesados.
Na corpulência inerte que não entende
o inteligente pesar dos corpos relacionados.
Num gerúndio de morte,
que vai matando... matando...

Uma verdade grita em poesia
na poética extensão de um grito.
Que grite a mentira que a verdade consentia
na geografia vérsica do que permito.
Num gerúndio de morte,
que vai matando... matando...

Chega o hóspede ansiado
na esperada hora tardia.
Na tarde chegada, o esperado
hóspede, na hospedaria.
Num gerúndio de morte,~
que vai matando... matando...

Um adeus ansiado grita,
que é chegada a hora que tudo permite.
Que à hora chegada a morte permita
expandir um Adeus que assim grite...
Num gerúndio de morte.
Que me matou!

Horto de Morte

Este é o Horto!
O seio seco de que nada germina,
que amamenta de fela sedenta boca.
É este o silêncio
que percorre as veias.
A culpa persistente,
o sangue assassino.
Em cada bafejo,
uma dívida,
um desperdício,
o pulular da miséria.
O escritor...
este que é,
em tempo passado
e devido.
Este superlativo absoluto,
da tontice.
Este leviatãdo nada.
O mendigo do verso,
saudoso do tacto,
do sorriso...
Flor do mal,
erva daninha,
contágio...
Fica-te pois com este escritor,
prende-o, solta-o, domestica-o,
caro leitor...Mata-o!
Mata-o! Por favor!
De esquecimento,
de ausência,
de silêncio.